Para definirmos se uma pessoa jurídica pode ou não ser consumidora é preciso entender a origem do direito do consumidor. Esse ramo do direito nasce com uma finalidade: equilibrar uma relação aparentemente desigual. A Lei n. 8.078/90 vem resguardar a possível vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor e com isso cria-se um conjunto de regras que tem um finalidade: permitir que o vulnerável tenha mais capacidade de defender seu Direito.
Talvez aqui seja necessário lembrar que, embora o imenso número de relações jurídicas de compra e venda de bens, esse tipo de contrato não nasce primordialmente das relações de consumo. A compra e venda nasce no direito civil. O art. 481 do Código Civil diz que "Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro". Ou seja, a compra e venda não nasceu com o direito do consumidor, mas recebe proteção diferente quando o adquirente é considerado consumidor.
A compra e venda de bens é apenas uma das espécies de relações jurídicas que podem ser praticadas entre consumidores e fornecedores. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor não criou essas espécies de relações jurídicas ou contratos. Elas já existiam. Contratos de empréstimo, de mútuo, de locação ou prestação de serviços existiam antes do Código de Defesa do Consumidor.
Ocorre que essas relações jurídicas, originalmente, quando em crise, não eram tuteladas pelo CDC, mas sim pelas regras de Direito Civil. Isso implicava, também, na aplicação do Código de Processo Civil que estabelece, em seu art. 373 a distribuição do ônus da prova, imputando ao autor a prova quanto "ao ato constitutivo do seu direito", assim como regras de competência, dois exemplos que são ou podem ser alterados quando caracterizada a relação de consumo.
Nesse contexto, se eu fosse até uma prestadora de serviços e contratasse um plano de celular, se ele não funcionasse e eu ligasse 20 vezes para a companhia, eu teria o ônus de comprovar que o serviço não funciona e que busquei contato 20 vezes.
Observando que seria realmente difícil para eu realizar a produção dessa prova, mostrava-se necessário que uma legislação promova a devida adequação dessa situação. Para isso surgem regras específicas do Direito do Consumidor.
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A definição de consumidor
Como vimos, as relações jurídicas realizadas por consumidores já existiam para o Direito antes de serem qualificadas como relações de consumo. Ou seja, nasce aí a necessidade de identificar se uma relação jurídica pode ou não ser tutelada pelo Direito do Consumidor.
Identificar uma relação de consumo não é fácil. Pois a necessidade de se definir alguns elementos chaves para aplicação do CDC. Para isso é necessário que seja definido inicialmente o conceito de consumidor. Quem de fato consome algo?
Para o ordenamento jurídico consumerista o consumidor é "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza serviço como destinatário final”.
Assim, as regras de Direito do Consumidor não têm como base a espécie da relação jurídica que as partes mantém, seja um contrato de compra e venda veículo, seja um contrato de prestação de serviço, um contrato de locação ou de mútuo. O que determina se aplicável ou não o CDC é a natureza das pessoas envolvidas na relação jurídica e a finalidade da aquisição compreendidos conjuntamente. Daí nascem três teorias importantes sobre direito do consumidor.
Teoria Finalista
Também conhecida como teoria subjetiva, a teoria finalista é a forma mais restritiva de aplicação do CDC. Ela parte do pressuposto de que o consumidor é a pessoa física ou jurídica que utiliza o produto ou serviço encerrando o ciclo econômico.
O encerramento do ciclo econômico se dá, para teoria finalista, com o não reemprego do bem ou serviço adquirido na sua atividade-fim. Com efeito, o bem ou serviço adquirido não é empregado na cadeia de produção da pessoa física ou jurídica consumidora para criação de novos produtos ou serviços. Ela consome e encerra o ciclo econômico. No caso da aplicação na cadeia de produção, descaracteriza-se a relação de consumo. Para os adeptos dessa teoria, quando ocorre a aplicação na cadeia produtiva a tutela é do Direito Civil, sem influência das regras e princípios do Direito do Consumidor.
Teoria Maximalista
No outro extremo, a teoria maximalista aponta que é consumidor todo destinatário final fático da aquisição de um produto ou serviço. Assim, não haveria preocupação com a destinação econômica ou não da aquisição.
Uma compreensão maximalista das regras de Direito do Consumidor implicaria no risco de compreendermos quase que toda e qualquer relação jurídica comercial como uma relação de consumo. Isto porque a teoria maximalista permite que os consumidores continuem utilizando na sua cadeia produtiva bens e serviços adquiridos.
Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada
O Brasil adotou o que chamamos de teoria finalista mitigada, teoria hoje aplicada pelo STJ.
A teoria finalista mitigada leva em consideração a vulnerabilidade do consumidor para enquadrar relações de consumo havida entre empresas como tal.
Essa teoria permite que pessoas jurídicas se encaixam no conceito de consumidoras quando o produto ou serviço adquirido, ainda que empregado na cadeia produtiva, não está abrangido pela sua área de especialidade.
Ou seja, se uma pequena tecelagem adquire tinta e tecidos para a produção de camisetas, não é possível imaginar que essa empresa não tenha conhecimento sobre tais produtos. Nesse caso não seria aplicado o CDC, pois trata-se de uma relação comercial entre duas pessoas jurídicas. Não haveria nesse caso vulnerabilidade do consumidor. Já se ela compra uma máquina complexa, ainda que empregada na cadeia de consumo, em razão da vulnerabilidade técnica ela pode vir a ser considerada consumidora.
A vulnerabilidade como elemento chave para definição da Pessoa Jurídica Consumidora
Devemos observar, portanto, que o elemento nuclear para definição de uma pessoa jurídica consumidora é a sua vulnerabilidade. Existem três espécies de vulnerabilidade distintas.
Vulnerabilidade Técnica
É o desconhecimento técnico do objeto da transação e a incapacidade de aferição de questões técnicas de forma simples.
Vulnerabilidade Jurídica ou Científica
É o desconhecimento das regras que tratam da relação jurídica, impedindo a empresa consumidora de entender as implicações jurídicas das obrigações assumidas. Essa situação sujeita a empresa consumidora às abusividades do mercado e não lhe permite, em razão do desconhecimento, analisar a situação de forma esclarecedora.
Além disso, a vulnerabilidade pode ser científica, ou seja, o desconhecimento de determinado ramo da ciência que não está abrangido pelas atividades da pessoa jurídica consumidora.
Vulnerabilidade Fática ou Econômica
Nesse caso há uma desproporção econômica entre a pessoa jurídica consumidora e a pessoa jurídica consumidora.
Assim, diferentemente da pessoa física, para quem a vulnerabilidade é presumida, a pessoa jurídica deve comprovar a vulnerabilidade que lhe permite a qualificação como consumidora.
Vulnerabilidade é diferente de Hipossuficiência
Devemos atentar para o fato de que vulnerabilidade não é sinônimo de hipossuficiência. A
vulnerabilidade é fenômeno de direito material, ou seja, toca à relação jurídica havida entre as partes. Já a hipossuficiência é um fenômeno de direito processual, por isso a lei presume que todo consumidor é vulnerável, mas nem todos são hipossuficientes, o que implicaria na possibilidade de inversão do ônus da prova, pois esta é critério de avaliação no caso concreto submetido ao judiciário.
Em caso de não verificação de qualquer espécie de vulnerabilidade, entende-se que é uma relação jurídica comercial normal. Neste caso ela é tutelada pelas regras próprias do Direito Civil. Quando isto ocorre, a empresa tomadora do serviço ou que adquiriu o produto não recebe a tutela do Direito do Consumidor, sem poder contar com os benefícios da aplicação desta lei.
Benefícios da aplicação do CDC nas relações entre Empresas
A facilitação para inversão do ônus da prova é um benefício que pode tocar ao consumidor. Porém, quanto ao ponto é necessário fazer uma ressalva: culturalmente as pessoas se equivocam ao acreditar que a inversão do ônus da prova é uma consequência direta da caracterização da relação como de consumo. Isso é um erro.
O código de defesa do consumidor estabelece em seu art. 6º, inc. VIII, como direito básico do consumidor “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Ou seja, a inversão do ônus da prova não é uma consequência direta e imediata da caracterização da relação jurídica como relação de consumo, pois o Juiz deverá analisar no caso concreto se há hipossuficiência.
Outra prerrogativa do consumidor é a alteração do foro competente, que ao invés de respeitar as regras de direito processual civil, aplicando-se o CDC, o Consumidor tem prerrogativa para eleger o foro competente, podendo ajuizar a ação em seu domicílio, ainda que a regra ordinária aponte o domicílio do réu ou da ocorrência do fato.